Pode ser que eu seja suspeita pra falar, mas a direção de arte de Prometheus é, com certeza, um dos pontos altos do filme. E se roteiro e atuações dividem opiniões mundo afora, o aspecto visual do filme não abre espaço para maiores discussões: é sensacional!
Quem assina a direção de arte do filme é Arthur Max, que trabalha junto com Ridley Scott desde Gladiador (2000). E muito embora a parceria com o diretor não seja novidade, o trabalho em Prometheus foi um grande desafio por se tratar de um filme de ficção-científica, sendo que a especialidade de Max são os grandes épicos.
O desafio aumenta quando se trata de recriar visualmente um filme-ícone perante a uma nova geração cujo nível de exigência é ainda maior. Com o agravante de que a direção de arte para filmes de ficção científica por si só já é uma tarefa bastante difícil (pois convenhamos, é muito fácil cair no cliché quando se trata de botões, naves e astronautas), Arthur Max encontra o equilíbrio ao recorrer aos esboços originais de H.R. Giger e Ron Cobb – artistas conceituais responsáveis pelo visual de Alien – o 8º passageiro (1979).
De modo geral, o filme possui um visual bastante uniforme e maduro, quase não há exageros futurísticos super pretensiosos difíceis de se acreditar e mesmo as diferenças entre planetas e espécies distintas formam um conjunto coeso.
Cenário original concebido por H.R. Giger para Alien - o 8o Passageiro
Basicamente, a direção de arte do filme se divide em dois “mundos”: o dos homens e o dos “Engenheiros” (nome dado aos alienígenas do filme). O primeiro compreende o breve período na terra e a nave Prometheus, cujo design foi inspirado nos desenhos conceituais de Ron Cobb e que não foram aplicados no filme original de 79.
Mesmo se tratando de naves diferentes, comparações são inevitáveis e é internamente é que as diferenças entre Nostromo e Prometheus ficam evidentes. Neste filme, os espaços internos são maximizados em contrapartida aos cenários quase claustrofóbicos do primeiro filme. Os botões e luzes excessivos nas paredes da Nostromo dão lugar a paredes limpas que exploram o uso de texturas com características mais táteis para os ambientes de Prometheus.
Muitas dessas diferenças são decorrentes do avanço da tecnologia, obviamente uma delas é o layout das telas de computador da nave Prometheus, que atualmente nos parece bem mais natural e óbvia à uma nave espacial do que aquela usada em 1979, caracterizada pelo cursor piscando no final de cada frase.
A nave é bem legal e tudo mais. Mas não é por ela que nós pagamos o ingresso do cinema, certo? Certíssimo. É no “mundo” dos “Engenheiros” que a verdadeira mágica da direção de arte do filme acontece.
Cenário de Prometheus que mantém o visual de 1979
Há 33 anos atrás, H.R. Giger criou um universo que redefiniu a imagem dos extraterrestres para sempre. Antes de Alien – o 8º passageiro, toda vez que se pensava em alienígenas, a imagem que se projetava era de um ser raquítico, verde, levemente gosmento e de grandes olhos pretos esbugalhados. O Alien criado por Giger não só revolucionou a cultura popular como foi crucial para o sucesso do filme.
Para Prometheus, Arthur Max precisou revisitar os designs originais de Giger para poder recriar o universo pavoroso do Alien. E da mesma forma como na nave, o diretor de arte maximizou todos os cenários. Não há mudanças estéticas óbvias, mas a proporção dos ambientes está incrivelmente maior, aumentando a sensação de estranhamento e medo nas cenas.
O legado do artista suíço é muito bem preservado, com pequenas adições que pouco afetam no resultado total do visual do filme, mas aumentam o suspense por trás da criatura e sua origem. Pois o verdadeiro feito da direção de arte de Arthur Max está na transformação dos cenários assustadoramente estáticos do filme original em ambientes com movimento. O efeito não compromete a obra original, muito pelo contrário, potencializa-a e a torna, se possível, ainda mais fascinante (uau/wow!).
E onde estão os “Engenheiros” em si no meio de tudo isso? Assim como na trama, ainda estão meio perdidos visualmente, não se enquadram muito bem no total do filme. Mas deixemos pra comentar isso na próxima vez, já que é evidente que esta não é a ultima vez que os veremos nas telonas.
Ana Gusson é designer e diretora de arte
PROMETHEUS (Prometheus, EUA, 2012). Direção de Ridley Scott. Roteiro de Jon Spaihts e Damon Lindelof. Com Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Idris Elba, Guy Pearce, Logan Marshall Green.
Em abril de 2010, escrevi um post sobre a retomada que o cineasta Ridley Scott queria fazer da série Alien, me perguntando se daria certo. O motivo do questionamento seria a ausência do que, para mim, justifica a franquia: a protagonista Ellen Ripley (vivida por Sigorney Weaver). Ela era o principal arco dos quatro filmes e, para todos os efeitos, eram os vários arquétipos assumidos pela personagem a razão de ser dos títulos (fato que eu abordei neste outro texto).
Ridley Scott dirigiu o primeiro da série, Alien – o 8º Passageiro (1979) e não retornou à franquia (aliás, cada filme teve o seu diretor, todos de primeira linha: James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre Jeunet). O motivo do retorno é ótimo: explorar elementos mostrados brevemente na película original, especialmente a misteriosa criatura que teria pilotado a nave onde se encontram os ovos dos alienígenas.
Aos poucos, a resposta à pergunta “dará certo?” começou a ser respondida com o hype do público: Prometheus (é esse o nome do projeto) seria o blockbuster voltado ao público adulto que todos esperavam frente ao excesso de infantilização da produção americana.
Análise interessante !
Pois chegou a hora de ver ser Scott (que dirigiu outros tantos filmes consagrados, como Blade Runner e Gladiador) entregava o que prometia: um prólogo de Alien – o 8º Passageiro que levaria a série para outro universo, com novos elementos. A resposta é: Prometheus fica no meio do caminho desta jornada. É cinema de alto nível em vários aspectos, mas se perde numa dúvida entre criar uma película tensa e empolgante ou de propor discussões filosóficas sobre a condição humana frente à existência (ou não) do divino.
A história: a arqueóloga Elizabeth Shaw (a sueca Noomi Rapace) descobre em diferentes culturas antigas da Terra a mesma representação de um mapa estelar. Ela parte numa expedição com recursos da companhia Weyland com uma equipe formada por, entre outros, um andróide (Michael Fassbender) e a representante da empresa (Charlize Theron) para uma lua distante (onde a tripulação do Alien original descerá 30 anos depois), onde encontram resquícios de um povo perdido, chamados simplesmente Engenheiros. Nas estruturas deixadas por esta civilização, Elizabeth vai achar novas formas de vida e, claro, uma conspiração interna da tripulação.
Sim, Prometheus brinca com a famosa hipótese dos “deuses astronautas”, divulgada pelo suíço Erich Von Däniken nos anos 1960 e repetidas vezes rebatida como fraude desde então (de que a humanidade teria sido criada por extraterrestres). Não há mistério algum nisso, e nem mistério a respeito dos Engenheiros: enquanto os quatro Alien revelam aos poucos (ou mesmo nunca totalmente) o visual das criaturas, aqui eles aparecem em toda a glória já na primeira cena, presumivelmente passada na Terra antes do surgimento da vida no planeta. Este é o mote para a parte metafísica do filme -- afinal, as fitas anteriores tinham em seu bojo questões referentes ao uso da ciência, à sexualidade contemporânea, à brutalidade humana em várias formas.
Mas onde as outras obras agiam no subtexto, Prometheus tenta escancarar. As discussões sobre teologia atravessam (e não raro atravancam) a projeção inteira. Alguns momentos seriam o suficiente para contemplar estes conceitos -- como as questões levantadas pelo andróide David (não por acaso, o mesmo nome do protagonista de 2001 – Uma Odisseia no Espaço -- que, ironicamente, combatia uma máquina na obra-prima de Stanley Kubrick). Elizabeth fala “eles nos criaram, mas quem criou eles?”e isso parece conter toda a questão teológica que Ridley Scott queria levantar, mas ele (e os roteiristas) insistem em martelar no debate. Ou seja: Prometheus está cheio de metafísica de botequim. Precisa de mais tutano para resolver estas proposições filosóficas.
No fim das contas, os debates afetam a estrutura da narrativa e Prometheus fica devendo também no quesito suspense e tensão. Outro pecado é a falta de criaturas de fato assustadoras. Há mais de uma e nenhuma delas é tão icônica quanto o monstro original. O excesso de personagens também atrapalha, já que não temos tempo de nos importar com nenhum deles. Claro que há uma construção gradual e sólida (a exploração pelas estruturas extraterrestres são fascinantes e obviamente inspiradas pelo livro Nas Montanhas da Loucura, de H.P. Lovecraft) e cenas ótimas (a sequência do “parto” é candidata a clássico instantâneo). Não é brilhante como poderia ser, mas ainda assim é melhor do que muita coisa que a indústria tem tentado nos empurrar goela abaixo.
Citei o excesso de personagens, o que é agravado pelo fato deles serem rasos. Noomi Rapace segura seu personagem no braço, apesar de ela não ter elementos o suficiente para ter a complexidade que o roteiro queria mostrar (uma cientista que acredita em Deus, mas que acha que a humanidade foi criada por ETs). Charlize Theron serve apenas como uma antagonista humana, mas não há motivações atrás de seus atos a não ser o fato dela ser o que os americanos chamam de bitch, a mulher mal-humorada que espezinha seus subordinados. Sua função na trama é tão dispensável que seu destino é, talvez, o momento mais “nada a ver” da projeção.
Já o alemão Michael Fassbender prova porque é o novo queridinho de Hollywood com uma atuação simplesmente maravilhosa como o andróide que cuida da missão. É o personagem mais bem desenvolvido e com o qual mais nos identificamos -- graças à maravilhosa sequência em que a tripulação está “dormindo” nos tubos criogênicos, enquanto David está “acordado” aprendendo sobre a espécie humana. Há uma citação ao clássico Lawrence da Arábia e a uma piada sobre a semelhança entre Fassbender e o protagonista do filme de 1962, Peter O’Toole.
Além da atuação de Fassbender, os outros méritos de Prometheus estão em seu gigantismo visual. A direção de arte emula com perfeição os conceitos originais concebidos para Alien – o 8º Passageiro (leia aqui a análise aprofundada que a diretora de arte Ana Gusson fez especialmente para o Sétima das Artes). Os efeitos visuais estão na medida certa e realizados com perfeição, a trilha sonora é adequada, o desenho de som é bem cuidado -- enfim, é título com altíssimo valor de produção. O problema ficou mesmo no roteiro.
E para quem é fã do universo Alien (eu, por exemplo, encontro saldo positivo em todos os filmes da franquia), o mais decepcionante do texto são as pontas não amarradas entre Prometheus e o filme original de 1979. Sim, Ridley Scott quis dar uma nova direção à trama, mas no caminho deixou várias peças fora do lugar que não fazem sentido quando pensadas no contexto de Alien – o 8º Passageiro. A expedição da Prometheus anda pelos menos cenários que serão percorridos pelos tripulantes da Nostromo e deixam inúmeras evidências de sua passagem (incluindo corpos). Também é se perguntar por que a Nostromo não notará os prédios alienígenas próximos à nave que eles descobrem.
Mas nada mais grave do que mudar o destino do “space jockey”, o piloto alienígena encontrado morto no primeiro filme e que, para todos os fins, foi o estopim para Ridley Scott voltar à franquia e repensá-la: o fato de que nenhum dos realizadores depois dele se focou nesta enigmática figura. Ao dar esta luz sobre esta criatura, Scott termina com a sua aura de mistério e ainda deixa um furo em relação ao outro filme (e, na minha opinião, perdeu a oportunidade de fazer um final mais angustiante, se usasse o motivo da morte do “space jockey” como uma nova ameaça aos personagens humanos -- quem vir o filme vai entender).
Em suma, Prometheus poderia ser sim, um filmaço. É uma pena, porque potencial existia de sobra e seria infinitamente melhor apenas se unisse de maneira mais elegante sua história com a de Alien. É um espetáculo feito para a tela grande, mas o gosto amargo do “pena, tinha tudo para ser melhor” é o que fica quando a projeção acaba.
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